Leia a decisão:
Decisão Proferida Vistos. Trata-se de demanda na qual o SINDICATO DOS MOTORISTAS E TRABALHADORES NAS EMPRESAS DE TÁXI NO ESTADO DE SÃO PAULO procura obstar o imediato funcionamento do provedor de serviços da UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. e o bloqueio ao acesso dos seus servidores para que o aplicativo UBER fique inacessível ao público, no território brasileiro, sob o argumento de que a requerida promove a prestação de serviço privativo de profissional taxista, não estando os veículos respectivos autorizados a atuar, não seguindo as normas de identificação e vistoria, bem como não se sujeitando ao controle administrativo inclusive em relação aos preços praticados, dentre outras alegações.
Conforme bem argumentado pelo requerente, "no Brasil, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII, CF).
No mesmo sentido, assegura-se a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (art. 170, parágrafo único, CF)" (fls. 15 - grifei). O art. 2º da Lei nº 12.468/2011 estipula que "é atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros, cuja capacidade será de, no máximo, 7 (sete) passageiros". Conforme o art. 4º, VIII, da Lei nº 12.587/2012, considera-se "transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas". O próprio Código de Trânsito Brasileiro estabelece, em seu art. 135, que "os veículos de aluguel, destinados ao transporte individual ou coletivo de passageiros de linhas regulares ou empregados em qualquer serviço remunerado, para registro, licenciamento e respectivo emplacamento de característica comercial, deverão estar devidamente autorizados pelo poder público concedente".
Também em âmbito municipal, aqui em São Paulo, tem-se, nos termos do art. 1º da Lei nº 7.329/69, que o serviço de transporte individual de passageiros constitui serviço de interesse público que somente pode ser prestado mediante prévia autorização da Prefeitura.
No mesmo sentido, tem-se que a Lei Municipal de São Paulo nº 15.676/12 estipula ser "vedado o transporte remunerado individual de passageiros sem que o veículo esteja autorizado para esse fim".
Em recente artigo na imprensa nacional, o porta-voz da requerida no Brasil sustentou que se trata de "uma empresa de tecnologia formada nos Estados Unidos que criou uma plataforma inovadora para ligar duas pontas: passageiro em busca de transporte confiável e motoristas autônomos", reconhecendo que essa "inovação" demandaria a devida regulamentação no país (Folha de S. Paulo, A3, 18.04.2015).
Portanto, está a empresa requerida prestando um serviço clandestino, ao que parece. Isso porque o art. 1º da Resolução nº 4287-14 da Agência Nacional de Transporte Terrestres - ANTT entende por "serviço clandestino o transporte remunerado de pessoas, realizado por pessoa física ou jurídica, sem autorização ou permissão do Poder Público competente".
Aliás, ainda que, em procedimento preparatório que tramita junto ao Ministério Público Federal, versando, igualmente, sobre a regularidade da atividade exercida pela empresa, esta tenha afirmado que "o serviço prestado pelos parceiros da Uber não é público porque não é aberto ao público", porquanto "somente passageiros cadastrados previamente no aplicativo Uber podem contratar esse tipo de serviço, na condição de que haja motorista interessado em realizar a viagem no momento de sua solicitação pelo usuário", não sendo possível, por exemplo, "fazer sinal para um carro parceiro do Uber nas ruas da cidade" (fls. 130 e ss.), é claro que o caráter publico do serviço prestado pela requerida não resta afastado pelos fatores indicados. Pelo contrário, a tentativa da requerida em apontar diferenças entre a sua atividade e aquela exercida pelos táxis apenas evidencia a semelhança existente entre ambas, ofertando indícios de que o serviço por ela prestado se enquadra como transporte público individual.
Afinal, o que mais seria o serviço prestado a partir de um aplicativo disponível para download a qualquer interessado maior de 18 anos (fl. 126), em lojas virtuais de aplicativos de aparelho celular, senão aberto ao público? O mero fato de se exigir um cadastro prévio à utilização do aplicativo, o que se relaciona, por óbvio, a aspectos secundários do negócio, como a necessidade de realização dos pagamentos por meio de cartão de crédito (fl. 126) e a eventual redução da insegurança e incerteza inerentes aos negócios efetuados virtualmente, não torna privado o serviço em questão, já que oferecido à generalidade das pessoas, de modo indeterminado.
E nem poderia ser diferente, frente ao porte da empresa. Com efeito, abstraindo-se os fatores secundários mencionados, decorrentes da natureza virtual de parte do serviço oferecido pela requerida, persiste, essencialmente, como serviço idêntico ao ofertado pelos taxistas. Portanto, há clara presença da fumaça do bom direito a autorizar a concessão da presente liminar.
Ao lado disso, tem-se que foi devidamente demonstrado na inicial o perigo na demora, posto que milhares de profissionais taxistas estariam sendo diariamente prejudicados pela vertiginosa expansão dos serviços da requerida - isso sem falar da questão atinente à própria lógica da regulação do mercado de transporte (fiscalização e controle pelas autoridades a respeito de uma atividade tida por serviço de interesse público).
Postergar a declaração de uma clara ilegalidade (sob os elementos de um olhar liminar) em um caso como o presente para após o contraditório certamente trará ainda mais prejuízos de difícil, senão impossível, reparação aos profissionais representados pelo requerente e também à própria ordem jurídica pátria (a par dos riscos potenciais aos usuários, na presunção de que a regulamentação da atividade é socialmente recomendável), que permaneceria sendo violada em uma questão de significativa relevância social.
Com isso não se está a condenar, em termos sociais, o modelo de negócio promovido pela requerida. Apenas se observa que, neste juízo liminar, tal modelo aparenta carecer de regulação, a qual é condição prévia a seu exercício. O mero fato de, hodiernamente, vivermos em um mundo de novidades mil em todos os seguimentos e a todos os instantes (muitas propagandeando "revoluções sociais" ao clique de um botão e ao passar de um cartão de crédito) não parece, de outro lado, já ter tornado legítimo um oficial desmantelamento das instituições democráticas tal qual temos conhecido.
Se é certo que é necessário, nos tempos atuais, debatermos com profundidade os rumos de nossa organização política, não menos correto é que vivemos sob a égide de um Estado Democrático de Direito e que a observância da Constituição é cogente, assim também das leis que estejam afinadas a essa mesma Constituição. Na já citada manifestação no Tendências e Debates da Folha de S. Paulo, o porta-voz da empresa requerida sustentou que "no último dia 8 de abril, durante protestos de representantes de associações de taxistas que se apropriaram das vias públicas de São Paulo, a demanda por serviços da Uber aumentou cinco vezes". Na verdade, talvez ao invés de criticar a mobilização da categoria dos taxistas a requerida pudesse nela se inspirar para, a sua maneira, também mobilizar-se politicamente para ver atendido o seu pleito pela regulamentação de sua atividade. Se obterá sucesso político ou não é outra questão - e bem natural ao jogo democrático. O que não é natural é simplesmente passar a exercer de modo clandestino uma atividade regulada.
Assim, e enquanto não alterada a legislação vigente, sendo ou não um serviço bastante consentâneo à sociedade atual, o fato é que a atividade da requerida permanece vedada. Justifica-se, por fim, a abrangência nacional desta decisão, no que diga respeito à suspensão do aplicativo em questão, a despeito da base territorial estadual da entidade sindical autora, não apenas pela comum atribuição de tal efeito a ações coletivas, como, também, pela natureza da atividade empresarial exercida pela requerida, de caráter claramente transfronteiriço, sendo que, por se dar a sua contratação e publicidade em ambiente virtual, a ordem ora proferida não teria qualquer efetividade se fosse limitada apenas a parcela do território brasileiro. Cumpre ressaltar, inclusive, que considerações semelhantes foram realizadas, profundamente, por Tribunal espanhol, ao proibir as atividades da requerida naquele Estado.
Ante o acima exposto, DEFIRO a liminar para determinar que a requerida cesse a disponibilidade e o funcionamento do aplicativo em questão (nacionalmente), bem como suspenda suas atividades na cidade de São Paulo, SP (conforme especificação do pedido inicial), sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) - limitada, por ora, a R$ 5 milhões -, a correr a partir do terceiro dia da efetivação da intimação da requerida.
A presente decisão servirá de mandado, a ser cumprido pela própria parte requerente, determinando-se que as empresas Google, Apple, Microsoft e Samsung deixem de fornecer nas suas respectivas lojas virtuais o aplicativo Uber, bem como para que suspendam remotamente os aplicativos Uber dos usuários que já o possuam instalado em seus aparelhos celulares.
Caso haja pedido nesse sentido, fica já deferida a intimação da requerida e o cumprimento do mandado às empresas retro por meio de oficial de justiça, recolhidas as devidas cutas. Observo que a requerida poderá ingressar nos autos especificamente para pugnar pela revogação da liminar - portanto ainda antes de escoado seu prazo para a contestação, e sem prejuízo dessa -, devendo o cartório promover a conclusão imediata do feito.
Cite-se com brevidade, por meio de carta com AR. Sendo requerida, também fica já deferida a citação por oficial. Int.